A maioria dos consumidores de cervejas especiais aqui no Brasil ja conhece a Flying Dog. Grande parte dos seus
rótulos ja estiveram
disponíveis no pais ate' que, no final do ano passado, uma historia polemica envolvendo a importadora e suspeitas de
alteração da data de validade / frescor, ocasionou a
interrupção das
importações ate segunda ordem. As ultimas cervejas que vieram para o Brasil expiraram sua validade ha pouco menos de 1 mes, e portanto, todas as cervejas daquele lote nao podem mais (em teoria) serem comercializadas no pais.
Fachada da cervejaria em Frederick Maryland
A Flying Dog na verdade e' originaria do Colorado (comecou como um brewpub em Aspen) e foi fundada por George Stranaham, cervejeiro, alpinista e maluco de
plantão. Pra quem nao sabe a historia, esse curioso nome foi criado em 1983 em uma das
expedições de alpinismo amador em que Stranaham e sua trupe conseguiram, apos muito sacrificio, escalar a montanha K2 nos Himalaias, a segunda mais alta do planeta. Logo apos a expedicao, os aventureiros bebiam em um bar de hotel no Paquistao quando Stranaham gostou muito de um quadro na parede do bar que tinha um cachorro com asas. Dai criou a "filosofia Flying Dog" (a cerveja so' veio a aparecer em 1990) que e' algo como: "Todos sabemos que cachorros nao voam, mas ninguem disse a essa criatura que ela nao podia voar, assim como ninguem disse ao grupo de alpinistas que nao poderiam escalar o perigoso K2. E' impressionante o que se pode alcancar na vida se ninguem lhe diz que voce nao pode".
George Stranaham, em foto tirada do site da Flying Dog
A cervejaria e' ainda conhecida por sua
relação com o escritor Hunter S. Thompson, um dos maiores usuarios de drogas psicoativas de que se tem noticia e autor do famoso livro "Medo e Delirio em Las Vegas" (que virou um filme estrelado pelo Johnny Depp). Thompson era muito amigo de Stranaham e influenciou o Modus Operandi da companhia, bem como diversos nomes de cervejas (como a Gonzo Imperial Porter, nomeada em homenagem ao estilo de jornalismo criado pelo escritor).
Hunter S. Thompson na capa da Rolling Stone
E'
também da relação com Thompson que surgiu a ideia de que todos os seus
rótulos fossem desenhados por Ralph Steadman (
http://www.ralphsteadman.com/), assiduo colaborador do escritor em todos os seus livros. Steadman tem um estilo visualmente agressivo e muito peculiar de desenhar, e todo mundo que olha o rotulo de uma cerveja da Flying Dog pela primeira vez fica muito impressionado, principalmente pela absurda falta de criatividade nesse “fundamento” aqui no Brasil.
Ralph Steadman
No final do ano passado, em meio a toda essa polemica envolvendo a importação, tive a oportunidade de visitar a cervejaria la em Frederick, estado de Maryland, pertinho de Washington DC. Alias descobri que a mudança do Colorado para Maryland aconteceu porque nao havia muito espaço fisico para expansão na fabrica antiga e, ao estudar o mapa de vendas, percebeu-se que a popularidade e volume na região do nordeste americano era altissimo. Isso ainda coincidiu com o fechamento de uma grande cervejaria com equipamentos e instalações modernas em Maryland que iria ficar desativada. Pesando todos esses fatores, bem como a concorrência ferrenha no Colorado, em 2009 o pessoal resolveu pegar os “cachorros” e se mudaram para essa nova fabrica que vem funcionando ate' o presente momento.
Apos a mudança de estados, a cervejaria ficou fechada a visitacoes do publico por um problema legislativo: O estado de Maryland simplesmente proibia a degustação de mais de uma dose de bebida alcoólica em qualquer tipo de tour de cervejaria, o que inviabilizava totalmente a pratica da mesma. A propria Flying Dog ja esta se mobilizando para mudar essa lei mas ate' quando eu estava nos EUA as visitacoes ainda se encontravam suspensas (UPDATE: acabei de descobrir que elas foram retomadas semana retrasada no dia primeiro de julho!)
A minha sorte foi a que durante alguns eventos cervejeiros aos quais eu compareci durante o ano na região de Washington, acabei conhecendo o JT Smith, que faz parte de
relações publicas da cervejaria.
Através dele, consegui marcar uma visita “extra-oficial” em um domingo quando a fabrica estava fechada e somente as leveduras estavam trabalhando. Foi um tour particular que ele deu pra mim e pra minha tia, que aconteceu mais ou menos assim:
Chegamos no domingo na hora do almoço sabiamente instruidos a trazer alguns quitutes, ja que eles nao tem restaurante ou comida no local. Assim fomos munidos de queijos, paes, frios e pates. Chegando la (apenas 15-30 min ao noroeste do centro de Washington) encontramos o JT e fizemos uma degustação das cervejas disponíveis on tap (e de graça!), ali mesmo no tasting room (que pela lei ainda nao podia ser usado). Segue a invejável taplist:
Doggie Style Pale Ale
Old Scratch Amber Lager
Tire Bite Golden Ale
Snake Dog IPA
Road Dog Porter
In-Heat Wheat Hefe Weizen
Gonzo Imperial Porter
Double Dog DPA
Horn Dog Barley Wine
Raging Bitch Belgian Pale Ale (cerveja do vigesimo aniversario da FD)
K-9 Winter Ale (sazonal de inverno)
Wild Dog Coffee Stout
Barrel Aged Gonzo Imperial Porter (envelhecida no Barril de Carvalho)
Uma single Hop DIPA feita com um
lúpulo novo chamado Eldorado (versao experimental)
Enfim, ficamos tomando, comendo e conversando por um bom tempo ate' que a tour
começou
Degustacao antes do tour
O tasting room vazio
O tasting room e' todo decorado com posteres dos rótulos da FD e pode-se ver algumas das medalhas do World Beer Cup e do GABF na parede, inclusive o certificado de melhor microcervejaria americana do ano de 2009:
Passamos primeiro pela parte administrativa com uma grande sala de
reuniões com as paredes todas decoradas com desenhos do Ralph Steadman, seguida de um corredor com uma
coleção de latinhas de cervejas antigas. A partir dali duas portas de metal levavam ao interior da cervejaria:
uma das salas de reunioes mais legais que eu ja vi
Na parte “quente” da cervejaria fica a maltaria e a cozinha, com os toneis na parte elevada em uma plataforma de metal. E' muito moderna e toda de
aço inox. O Brew Kettle tem capacidade de 50 barris e os controles de transferencia e de temperatura sao todos
eletrônicos:
Seguimos para a sala “fria” com todos os fermentadores e alguns barris de carvalho, feitos para
experimentação A fabrica e' gigantesca com muitos fermentadores, alguns deles a todo vapor com a mangueira borbulhando no balde:
Fomos entao a ala de engarrafamento e empacotamento, também muito moderna e igualmente gigante. Sao pilhas e pilhas de caixas de cerveja empilhadas, esperando o transporte do dia seguinte:
Seguiu-se entao o momento mais epico da visitacao, quando o JT me ofereceu um pouco de Extra Special Gonzo: ele simplesmente retirou um prego de um barril de carvalho e me colocou um copo da Gonzo Imperial Porter inoculada com cepas de Brettanomyces e Lactobacillus, "fresquinho" (na verdade ja estava no barril por uns 2 anos) e sem carbonatacao. Os aromas azedos da
fermentação selvagem logo encheram o ar e apesar de extrema, a cerveja estava deliciosa.
Extra Special Gonzo com Brettanomyces no barril por 2 anos!
Deu pra perceber que a Flying Dog e' uma cervejaria muito seria e irreverente ao mesmo tempo. Seus funcionarios sao muito
simpáticos e fazem de tudo para agradar. Realmente e' uma pena que nao tenhamos mais essa cervejas por aqui, pelo menos por enquanto.
E so pra manter a
tradição, segue a minha
avaliação da Wild Dog Coffee Stout que eu tomei no tasting room aquele dia:
Aparencia e' marrom bem escuro, quase totalmente negra. A espuma e' marrom avermelhada e nao durou muito, deixando um anel na superficie. Retencao nas laterais foi nula. Cerveja de aparencia bem licorosa e pesada.
O aroma e' bem centrado no cafe' om notas de espresso parecendo logo de cara. Tambem pode-se sentir algumas notas de chocolate, baunilha e alcool. Mas parece mesmo um copo de cafe' gelado.
Na boca a cerveja segue o aroma com o cafe' e um pouco de chocolate dominando o malte escuro, que se mantem sempre em segundo plano. O aftertaste remete novamente ao cafe' com um toque adocicado de melaco.
O corpo e' surpreendentemente mediano, com mouthfeel aveludado e sem nada daquele adstringente percebido em muitas cervejas de cafe'. Carbonatacao media a baixa, elevando ainda mais o drinkability que na minha opiniao e' o ponto mais forte dessa stout.
Geralmente nao gosto muito de stouts com o corpo mais leve mas gostei da manobra para deixar o cafe' se sobressair um pouco. Uma bela cerveja que deveria ser produzida em maior quantidade.
Teor Alcoolico: 8.0%
Preco: degustacao
Foto retirada do blog BEERsimple
Notas:
Aparencia: 7/10
Aroma: 8.5/10
Sabor: 8/10
Sensacao: 9/10
Conjunto: 8/10
Total: 8.1