terça-feira, 29 de maio de 2012

Bootleggers Beer Dinner 2011

 

Adoro cervejas americanas. Isso vocês ja sabem. Mas uma das coisas que deixa a cultura micro-cervejeira norte americana ainda mais interessante é a regionalidade das produções que muitas vezes são pequenas e tem estímulos para o consumo local, evitando assim gastos desnecessários com transporte e reduzindo a chance de espólio do nobre líquido, quase nunca pasteurizado (o que é exceção por aqui, é regra por lá).

Assim, quase não se consegue comprar uma Russian River longe da California, uma Three Floyds longe da região de Chicago e uma New Glarus fora do estado de Wisconsin. 

Forma-se então um verdadeiro mercado beer-geek de escambo por Fedex/UPS, com muitas trocas de rotulos, prática endossada pelos dois maiores sites de avaliações de cerveja, o Beeradvocate e o Ratebeer.

Foi baseado nesse princípio que o grupo mais famoso de Beer-geeks de Washington DC (http://dcbeer.com/) resolveu organizar um jantar de harmonização com algumas das mais famosas cervejas americanas que NÃO são disponíveis na região metropolitana de DC. Todas as garrafas foram compradas / trocadas pela internet, e alguém fez o "resgate" de carro através do país. O Line-up de peso incluiu:

Russian River Blind Pig
Alesmith Yulesmith Winter
Russian River Pliny the Elder
Deschutes The Abyss 2010
Cigar City Marshal Zhukov's Imperial Stout



As cervejas, nessa ordem, foram devidamente pareadas com 5 pratos diferentes, todos desenvolvidos pelo restaurante Scion (http://www.scionrestaurant.com/). O custo total foi de 65 dolares por pessoa, sem incluir as taxas e a gorjeta. Segue uma foto do Flyer do evento:

       

E fui la eu, naquele dia 1 de fevereiro de 2011, tomar algumas das cervejas sobre as quais eu lia há muito tempo mas ainda, depois de um ano nos EUA, não tinha conseguido tomar. A minha felicidade era extrema. Sem duvida foi uma das melhores experiencias gastronomico-cervejísticas da minha vida!

Segue o relato completo...

Pareamento numero 1: Russian River Blind Pig com Sriracha Devilled Eggs

Devilled Eggs é um prato tipicamente servido como uma entrada. É basicamente um ovo cozido que tem a gema retirada e misturada com outros condimentos e especiarias como maionese, mostarda, molho ingles, molho tártaro ou outras ervas / pimentas. Essa versão do jantar era servida com um toque do molho de pimenta Sriracha ou "Rooster Sauce" - um molho tipicamente encontrado em restaurantes orientais dos estados unidos. Pra quem não conhece essa pimenta, vale a pena garimpar uma garrafinha e trazer na mala, ótimo custo benefício com um sabor picante delicioso.





Essa é a IPA de linha da RR, disponível o ano inteiro. Eles até fazem outra IPA, chamada simplesmente de Russian River IPA, que é um pouco menos seca que a Blind Pig e apenas disponível on tap na região da cervejaria.

A Blind Pig tem coloração amarelo brilhante com tons alaranjados e é bem cristalina. Forma colarinho beige (coloração bem típica de cervejas ultra-lupuladas) que tem boa formação e retenção.

Seu aroma vem basicamente dos lupulos citricos do noroeste americano, com muitas e potentes notas de grapefruit, tangerina, limão e laranja. Excelente.

Na boca, ja começa bastante frutada e citrica, novamente com as notas de grapefruit e tangerina predominando. O amargor é surpreendentemente baixo, tornando essa cerveja uma verdadeira vitrine para o que o lupulo pode trazer ao drinkability. É quase como tomar um suco de frutas cítricas....lembrando que não estamos falando de uma fruit beer.

Seu corpo é insanamente baixo para uma IPA que tem 6.1% de alcool. Mouthfeel seco e residual doce inexistente. A carbonatação é media a alta. Aftertaste delicado de pinhal e frutas cítricas.

Essa talvez seja uma das, senão A mais equilibrada american IPA disponível no mundo. Não chega a ser a mas explosiva, ou a mais lupulada do estilo, mas seu drinkability é algo fora de série. Infelizmente a sua "irmã maior", a double IPA Pliny the Elder, criou uma fama tão grande que acabou privando-a daquela que merece.

Teor Alcoolico: 6.1%

A harmonização ficou muito boa, no ja classico casamento de IPAs bem secas com comidas gordurosas e apimentadas.


Notas:


Aparência: 8/10
Aroma: 8/10
Sabor: 8/10
Sensação: 10/10
Conjunto: 10/10


Total: 8.8


Pareamento numero 2: Alesmith Yulesmith Winter 2010 com Gnocchi de batata-doce e molho de manteiga com cerveja.


A Yulemsith é a mais popular das cervejas sazonais da Alesmith Brewing Company, de San Diego - California. Ela é feita duas vezes ao ano e em duas versões: uma no verão (Yulesmith Summer) que é uma Imperial IPA e uma no inverno (Yulesmith Winter) que é uma Imperial Red Ale mais maltada, mas que também tem contribuição importante de lupulos no sabor e aroma.



Verteu líquido marrom-acinzentado com notas âmbar, totalmente turvo, formando pouco ou quase nada de colarinho mesmo após eu girar a taça algumas vezes. Retenção também nula. Talvez uma das cervejas mais feias que eu ja tenha visto, lembrava água de esgoto. Por ser uma cerveja que sofre refermentação na garrafa talvez esse exemplar tenha sofrido alguma alteração que influenciou sua formação de espuma.

Aroma sensacional e adocicada, um mix de caramelo, toffee, chocolate e lupulos frutados bem frescos. Imaginem mergulhar um picolé de chocolate com caramelo em uma calda de frutas cítricas. É mais ou menos isso o aroma dessa cerveja. Lindo.

O sabor é predominantemente maltado inicialmente com notas doces de chocolate, malte cristal, caramelo, toffee e butterscotch. Em seguida, os lupulos americanos atuam como um excelente coadjuvante, balanceando o malte com notas de frutas tropicais (manga e pêssego) e amargor moderado.

Corpo mediano com carbonatacão media a baixa. Final bem herbal e refrescante, com aftertaste levemente amargo e dominado por notas de malte torrado e um quê amanteigado/ butterscotch. Teor alcoolico bem escondido.

Além de provavelmente ser a cerveja mais feia que eu ja vi, é sem dúvida nenhuma a melhor cerveja feia que eu ja tomei. Fica mais pro lado do malte em seu balanço com o lupulo, com ótimos aromas e sabores vindo de ambos os ingredientes.

Teor Alcoolico: 9.5%

De todas as harmonizações da noite essa foi a melhor. O dulçor inicial da cerveja casou muito bem com o recheio de batata-doce do Gnocchi e as notas amanteigadas harmonizaram com o molho da massa. Os lupulos funcionaram para cortar o doce da mistura.




Notas:


Aparência: 5/10
Aroma: 9/10
Sabor: 9/10
Sensação: 8/10
Conjunto: 9/10


Total: 8/10



 Pareamento numero 3: Russian River Pliny the Elder com Ostras gratinadas com queijo Parmesão Reggiano


Se você nunca ouviu falar da Double IPA chamada Pliny the Elder, saiba que é provavelmente a cerveja mais famosa e desejada entre os beer-geeks do mundo. Criada em 2000 por Vinnie Cilurzo para uma competição somente de Double IPAs, virou artigo raro e "cult" não só por sua qualidade (siga lendo para ver minhas impressões) mas também pela dificuldade de se conseguir uma garrafa. Apesar de ser produzida o ano inteiro, sua distribuição é restrita, salvo algumas exceções, a pontos de venda que ficam nos estados proximos da California (A Russian River fica no norte do estado, em Santa Rosa). Essa "restrição" é intencional: a Pliny é a cerveja que mais bate na tecla do frescor (vide seu rótulo nas fotos abaixo). Por ser fortemente centrada nos sabores e nuâncias dos lúpulos, ela deve ser consumida o quanto antes, e não aguentaria manter a qualidade se fosse enviada rotineiramente a grandes distancias.

Seu nome é uma homenagem a Plínio o idoso, filósofo e naturalista romano que viveu no século 1 e foi o primeiro homem a reconhecer e catalogar o lupulo, inclusive batizando a planta em referência aos lobos (lupus salictarius). Diz a lenda que a erva selvagem crescia entre os outros arbustos assim como os lobos solitários que perambulavam pelas florestas. Plínio morreu salvando outras pessoas durante a erupção do Monte Vesúvio em 79 DC.

A Russian River ainda possui uma Triple IPA sazonal (essa sim é A cerveja mais dificil de ser bebida no mundo) chamada Pliny the Younger, que só sai on tap uma vez ao ano e acaba em questão de horas.  O nome é por sua vez referência ao filho homônimo de Plínio, que seguiu e propagou os ensinamentos do pai.

A "PtE" como é carinhosamente conhecida em foruns de cerveja, é feita com as variedades de lúpulo Amarillo, Centennial, CTZ e Simcoe.



Aparência translucida com coloração laranja claro com tons dourados. Forma bonito colarinho de cor beige clara que tem boa formação, persistência e retenção.

Aroma explosivo de frutas cítricas, principalmente tangerina e grapefruit, com notas pungentes pinhais acompanhando. Percebe-se também um pouco de malte com notas adocicadas que vão aparecendo com o aumento da temperatura. Ótimo balanço.

Sabor novamente dominado por lúpulos cítricos com presença forte de laranja, abacaxi, grapefruit, pinhal, tangerina e grama recém cortada. O amargor vem em seguida mas sempre de maneira suave e balanceada, nunca agredindo o palato. Final seco e levemente apimentado. O aftertaste é também frutado e persistente.

Corpo com percepção baixa e mouthfeel delicado, com media carbonatação. Sem exagerar nem um pouco, a cerveja aparenta ter uns 5% de alcool. Drinkability absurdo!

Ela corresponde as expectativas e ao seu hype? Em parte. Assim como a Blind Pig, considero a Pliny a cerveja perfeita em termos de mouthfeel e drinkability. Ja em termos de perfil de aroma e sabor de lupulo, ela - apesar de ser muito boa - ainda perde para outras cervejas do mesmo estilo, algumas que me vem a mente agora são a Double Jack e a Hopslam.

Mas não resta duvida que está entre as grandes cervejas do planeta. Minha nova missão agora é a de toma-la na pressão.

Teor Alcoolico: 8.0%

A harmonização com as ostras com parmesão ficou boa, mas não excepcional como a ultima. Aquele picante do queijo foi balanceado pelo amargor da cerveja.



Notas:


Aparência: 8/10
Aroma: 8/10
Sabor: 9/10
Sensação: 10/10
Conjunto: 10/10


Total: 9/10


Pareamento numero 4: Deschutes The Abyss 2010 com Filet au Poivre (medalhão de filé mignon com pimenta do reino e molho cremoso de funghi com Brandy)


Outra cerveja extremamente "Cult" e concorrida, a Deschutes The Abyss é produzida todo ano no inverno. É considerada por muitos como a melhor Imperial Stout do mundo, desbancando nomes fortes como 3F Dark Lord, Surly Darkness, Firestone Walker Parabola e Stone Imperial Russian Stout.
Quando vi que eu finalmente iria conseguir toma-la não pude deixar de ir nesse jantar.

Ela leva melaço e alcaçuz na receita e tem 1/3 de seu conteúdo maturado em barris de carvalho e bourbon.



Coloração totalmente escura e opaca, com aspecto viscoso e ótima formação de um colarinho marrom-claro que apresenta ótima retenção e persistencia, deixando um anel cremoso na superfície.

Aroma extremamente complexo: malte escuro torrado, chocolate, melaço, carvalho/bourbon, fumaça e uma pitada de álcool volátil. Não sei porque mas ao sentir o seu cheiro me lembrei daquele aroma marítimo que se sente no litoral, talvez por seu aspecto mineral...mas estou divagando - em resumo, ela tem um aroma fenomenal.

Sabor de malte escuro, melaço, chocolate, frutas escuras, alcaçuz, malte defumado, madeira e finalizando com notas de café. Ainda melhor que o aroma! Percebo um pouco de notas lupuladas bem pro final do gole. As notas de bourbon não são aparentes como no aroma.

Corpo extremamente alto e complexo, com carbonatação media a baixa. Sensação de calor após o gole.

Imperial Stout top de linha, provavelmente uma das melhores cervejas, ou melhor - um dos melhores líquidos que eu ja pus na boca. Aroma, sabor e complexidade perfeitas e dentro do que o estilo pede. Imperdível!

Teor Alcoolico: 11.0%
IBU: 65

A harmonização ficou um pouco desbalanceada em detrimento do filé au poivre. Suas notas mais delicadas (do funghi) e spicy (da pimenta) foram dizimadas pelo alto corpo da cerveja.



Notas:


Aparência: 8/10
Aroma: 10/10
Sabor: 10/10
Sensação: 9/10
Conjunto: 9/10


Total: 9.2




Pareamento numero 5: Cigar City Marshal Zhukov's Imperial Stout e Torta de Chocolate e Noz Pecan com Bourbon



Pra finalizar a noite veio a Marshal Zhukov, Imperial Stout de uma das mais novas e comentadas cervejarias artesanais americanas, a Cigar City Brewing, que fica em Tampa, na Florida.

Recentemente o Maurício Beltramelli do site BREJAS, fez uma visita a essa cervejaria e escreveu suas impressões aqui.

Essa Imperial Stout é sazonal de verão (justamente para que seja guardada por 6 meses para ser tomada no inverno) e somente disponível on tap e em garrafas de 750 ml. Seu nome faz homenagem a Zhukov, um dos mais famosos generais russos da 2a guerra mundial.



Coloração negra e totalmente opaca, com mínimo colarinho de aspecto marrom avermelhado que persiste por pouco tempo deixando apenas um fina película na superfície. Retenção quase zero. O aspecto do líquido é bem oleoso e grudento.

Aroma de malte torrado, azeitonas (?), lupulos herbais e madeira.

Sabor meio diferente do que imaginava, iniciando-se com malte escuro e melaço e seguindo com uma certa adstringência vinhosa que chega a ser um pouco azedo. No meio do gole, percebe-se notas herbais e terrosas de lupulo. Continua com frutas escuras, malte defumado e finaliza com notas amargas que persistem no aftertaste.

Corpo mediano a alto, com carbonatação aveludada. Mouthfeel viscoso e suave.

Boa cerveja mas achei-a um pouco defumada demais. As notas vinhosas e azedas remetem ao vinho do  porto e ficaram interesantes. Porém, gosto mais das minhas imperial stouts tendendo pro lado de malte torrado, café, chocolate e baunilha. Ainda assim vale muito a pena ir atrás dessa aqui.

Teor Alcoolico: 11.0%
IBU: 80


A harmonização com a torta de chocolate e noz pecan ficou excelente. Não tem muito como errar harmonizando imperial stouts com chocolate.

Notas:


Aparência: 7/10
Aroma: 8/10
Sabor: 8/10
Sensação: 9/10
Conjunto: 9/10


Total: 8.2



terça-feira, 1 de maio de 2012

The Lost Abbey Judgment Day



Mais uma do portfolio disponível o ano inteiro pela Lost Abbey, a Judgment day é a cerveja mais escura e uma das mais alcoólicas da cervejaria. Disponível on tap e em garrafas arrolhadas de 375ml ou 750 ml, é uma Belgian Quadrupel com 10.5% de álcool, e OG de 1092.

Usa seis tipos de malte (2-row pale de base, trigo, English Crystal medio e escuro, Special B e Chocolate) lúpulos Challenger e EK Golding, e dextrose e uvas-passa como adjuntos. Tudo fermentado por uma cepa de levedura Ale belga de alta performance (a house yeast da Lost Abbey). Essa cerveja também serve como base para a famosa Cuvee de Tomme, uma sour ale envelhecida com cerejas em barris de bourbon.

Evolui bem na garrafa e pode (e deve) ser guardada por muitos anos. Daí vem o nome Judgment Day ou o "dia do julgamento final": Como nunca saberemos quando os 4 cavaleiros do apocalipse virão e o mundo como conhecemos  vai acabar  (juntamente com suas cervejas), vale a pena estocar grandes quantidades dessa Quadrupel que não vai estragar por um bom tempo. Pelo menos haverá cerveja para beber.



Segue um video com as Tasting Notes da Judgment Day, feito por ninguém menos que o pai da cria, Tomme Arthur:




Na taça, verteu liquido de coloração marrom-avermelhada com tons de rubi e aspecto translúcido. Formou abundante espuma marrom-clara que não persistiu por muito tempo. A Retenção também ficou um pouco abaixo da media.

Aroma de malte escuro, candy sugar, caramelo e frutas escuras: Ameixa, uva vermelha, uva-passa, figo e tâmaras. Percebi também um pouco de álcool volátil em segundo plano.

Na boca, começou com notas acentuadas de malte escuro, caramelo e melaço; seguida de frutas escuras dominadas pela uva-passa, mas também com figo e ameixa. Finalizou com leve amargor se contra balanceando com a enxurrada de malte.

O mouthfeel era bem grudento e mastigável com corpo altíssimo e pesado e carbonatação baixa. A adstringência dos taninos das uvas-passa apareceu um pouco no aftertaste, junto com uma agradável sensação de calor na garganta.

Bela cerveja da Lost Abbey, muito bem feita e com ótimo drinkability para o tanto de álcool. Ainda fica abaixo de suas similares belgas (Westy, Struisse, Rochefort e St Bernardus) mas dentro das americanas é um dos melhores exemplares.

Teor Alcoólico: 10.5%
Preço: 15 dólares a garrafa, no bar.


Notas:


Aparência: 7/10
Aroma: 8/10
Sabor: 8/10
Sensação: 8/10
Conjunto: 7/10


Total: 7.6